Pais devem ajudar os filhos na escolha da profissão, mas
jamais pressioná-los
Quando criança, Gustavo
do Vale Gomes, de 36 anos, era apaixonado pelos animais e, por conta disso,
sonhava em ser um grande biólogo. Mas seu pai, Enio de Freitas Gomes, de 62
anos, queria mesmo é que o filho seguisse seus passos, para se tornar um grande
médico. "Meu pai nunca me proibiu de fazer minhas próprias escolhas, mas,
quando eu falava sobre biologia, logo o ouvia dizer que, em medicina, também se
aprendia muita biologia", lembra Gustavo, que, motivado pela família,
acabou se rendendo à medicina. O mesmo ocorreu com seu irmão mais velho.
De
fato, os pais são grandes influenciadores na formação profissional dos filhos.
"A transmissão de uma profissão de geração em geração se dá,
principalmente, pelo intenso convívio do jovem com aquele ofício, pela
observação do amor dos familiares pela carreira e pelos valores diretamente
relacionados à atividade que são recebidos ao longo da vida", explica
Alyane Audibert Silveira, psicóloga especializada em aconselhamento de carreira
pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Na
faculdade de medicina, Gustavo até tentou traçar outros rumos, mas, depois de
um estágio na clínica da família, acabou optando pela mesma área do pai. Com o
tempo, tomou a frente dos negócios. "Meu pai nunca me disse, literalmente,
que eu daria continuidade ao patrimônio construído por ele. Mas eu sempre tive
em mente que, cursando medicina, eu teria condições de fazer isso", afirma
Gustavo.
Esse
é outro ponto importante. Boa parte do incentivo que vem dos pais tem a ver com
o desejo deles de entregar nas mãos de alguém de extrema confiança um negócio
próspero e consolidado, que exigiu muita dedicação e esforço para ser
construído, conforme explica Dulce Helena Soares, psicóloga do Laboratório de
Informação e Orientação Profissional da UFSC (Universidade Federal de Santa
Catarina).
Consonância de objetivos e valores
Por outro lado, a psicóloga Alyane
afirma que, embora os pais possam e devam ajudar os filhos na escolha da
carreira, é imprescindível que isso ocorra de maneira tranquila, sem
imposições. "O ideal é que eles discutam de forma aberta, que os filhos
possam perceber os reais desejos e expectativa dos pais e os pais, por sua vez,
possam entender com clareza os interesses e sentimentos dos filhos".
Escolher a mesma profissão dos
familiares levando em conta apenas a oportunidade de crescimento rápido ou a
estabilidade pode ser um erro fatal. "É preciso que os sonhos, as
habilidades e os valores do jovem sejam coerentes com o ofício escolhido. E,
para analisar se existe essa compatibilidade, é fundamental investir no
autoconhecimento", declara José Roberto Marques, presidente do IBC
(Instituto Brasileiro de Coaching).
Filhos que assumem a profissão dos
pais, por imposição ou comodismo, poderão sofrer consequências negativas.
"O risco é que se tornem pessoas infelizes e insatisfeitas por não
exercerem aquilo que desejam, o que pode desencadear problemas emocionais,
físicos e psicológicos, como depressão, ansiedade, compulsões e estresse",
afirma Marques. Por isso, o essencial é dar liberdade para que os filhos façam
as próprias escolhas, sem deixar de apoiá-los e orientá-los, ajudando-os a
tomar decisões mais acertadas.
Cobrança em dobro: o outro lado da moeda
No caso do dentista Felipe Delgado,
de 32 anos, contar com o apoio do pai, o também dentista Lauro Delgado Junior,
de 54 anos, foi um fator facilitador, que ele não faz a menor questão de
ignorar. "Desde os 13 anos eu acompanho meu pai ao consultório e, com a
convivência, não foi difícil me apaixonar pela profissão. Por isso, resolvi
seguir o mesmo rumo", diz.
Graças a essa convivência, ele já
entrou na faculdade com algumas vantagens em relação aos demais. "As
matérias que eu aprendia em sala de aula eram, na realidade, um complemento do
que eu já via na prática clínica", diz o dentista. Depois de formado,
Felipe entrou no mercado de trabalho usando um sobrenome que já era respeitado
na área. Mas admite que, mesmo assim, o começo não foi fácil. "A cobrança
é muito maior por parte dos pacientes, porque eles já estão acostumados a serem
muito bem atendidos", afirma.
A irmã mais nova de Felipe, Pétala
Mantelatto Delgado Bragatto, de 30 anos, também se encontrou na carreira de
dentista. Apesar disso, garante que o pai sempre a deixou à vontade para seguir
outros caminhos. "Tanto isso é verdade que meus irmãos mais novos foram
para áreas totalmente diferentes da odontologia. Um deles é tatuador e o outro
está estudando para ser músico", diz.
Segundo os especialistas no assunto,
esse tipo de exemplo permite afirmar que as aptidões não são determinadas por
fatores genéticos, mas são fortemente influenciadas por questões
comportamentais. "O fato de os pais serem bons em suas profissões não é
garantia de que os filhos também serão. Há muitas questões subjetivas
envolvidas, que têm a ver com as competências e habilidades de cada jovem, os
anseios pessoais e profissionais que são desenvolvidos ao longo da vida",
afirma José Roberto.
Profissões iguais, carreiras diferentes
Escolher a mesma profissão de outros
familiares não implica, necessariamente, no desejo de seguir exatamente a mesma
trilha de passos dados por eles. "A repetição pode se constituir em uma
oportunidade de seguir a linhagem familiar, com os mesmos valores, prestígio e
certa estabilidade e segurança, mas também de evoluir e criar sobre aquela
atividade, diferenciando-se e crescendo muito mais", diz a psicóloga
Alyane.
Na família de Juliana Gevaerd, de 28
anos, toda formada por advogados, foi exatamente isso o que aconteceu.
"Sempre vivi rodeada pelas questões do direito. Por isso, acabei me
apaixonando", afirma a advogada, que tem quatro irmãos que também são colegas
de profissão.
"Eu sou o primeiro advogado da
minha família. Tenho 35 anos de carreira e não nego que fiquei muito satisfeito
com a escolha de meus filhos", conta Luiz Fernando Gevaerd, pai de
Juliana, advogado e presidente da Comissão de Direito de Família da OAB (Ordem
dos Advogados do Brasil) da Barra da Tijuca.
Dos cinco filhos de Luiz, apenas
Juliana escolheu a mesma área de atuação. Seus irmãos mais velhos, Luiz
Gustavo, de 43 anos, e Carlos, de 39 anos, são especializados em direito civil.
A irmã mais nova, Raffaela, de 24 anos, optou pelo direito empresarial. O
caçula, Matheus, de 18 anos, acaba de ser aprovado no vestibular para cursar
direito.
"Todos os meus filhos começaram
a carreira no meu escritório, mas só a Juliana permaneceu. Hoje em dia, ela
integra a minha equipe de advogados especializados em Direito de Família. E eu
me sinto feliz em saber que servi de fonte de inspiração para todos eles",
diz o pai.
O advogado também tem consciência da
responsabilidade que isso representa. "Tenho cinco pares de olhos me observando.
Exercer a advocacia é tarefa que exige bastante desprendimento e dedicação.
Somos exemplos uns para os outros", diz. E, pelo visto, a vocação para o
direito já alcançou a terceira geração. A neta de Luiz, de apenas 14 anos, já
expressou, por diversas vezes, interesse na carreira. Uma iniciativa comemorada
por todos os que vieram antes dela.